Dados do Google Analytics revelam que tragédias e agressões têm apelo maior do que atos de heroísmo. Psicologia, algoritmos e o poder da indignação ajudam a explicar.
Jales/SP – Uma análise feita pela redação de A Voz das Cidades revelou um contraste que chama a atenção: enquanto a notícia do policial civil que salvou um bebê engasgado obteve 1.757 visualizações, a reportagem sobre as duas técnicas de enfermagem agredidas dentro do UPA de Jales alcançou 7.170 acessos — mais do que o quádruplo.
Esse tipo de disparidade levanta uma pergunta fundamental: por que notícias negativas ou violentas mobilizam tanto mais a atenção do público do que histórias com final feliz ou atos de bondade?
A explicação está no cérebro — e no clique
Especialistas em comportamento e mídia apontam três fatores principais:
📌 Viés da negatividade
O cérebro humano evoluiu para identificar ameaças como forma de sobrevivência. Notícias que envolvem risco, dor ou injustiça geram reações químicas que impulsionam a atenção — mesmo que inconscientemente. É o antigo instinto de “prevenir-se do perigo” se manifestando na rolagem do feed.
📌 Indignação moral compartilhável
Matérias que provocam raiva, choque ou senso de injustiça tendem a ser mais comentadas e compartilhadas, especialmente em grupos de WhatsApp e redes sociais. A agressão a profissionais de saúde, por exemplo, fere um código moral coletivo, o que impulsiona o sentimento de “isso não pode ficar assim”.
📌 Narrativa em aberto
No salvamento do bebê, o leitor encontra no título a história completa: ameaça, ação e final feliz. Já a matéria sobre o UPA cria tensão contínua: “Quem foi o agressor?”, “Haverá punição?”, “Isso vai se repetir?”. Essas perguntas mantêm o engajamento e o clique.
🤖 Algoritmos que alimentam a tragédia
As plataformas digitais reforçam esse ciclo. Quando uma matéria tem muito engajamento nos primeiros minutos — curtidas, comentários, reações —, os algoritmos das redes a promovem para mais pessoas. Isso transforma o comportamento de um grupo em uma “bola de neve” de popularidade.
⚠️ O perigo da distorção da realidade
Pesquisadores apontam para o efeito colateral dessa tendência: o chamado “síndrome do mundo perigoso”. A exposição contínua a notícias negativas pode levar o público a acreditar que o mundo está muito pior do que realmente está — aumentando a ansiedade social, o medo generalizado e o descrédito nas instituições.
📰 Como equilibrar a balança?
Redações e jornalistas atentos já estão buscando soluções no chamado jornalismo construtivo, que propõe:
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Contextualizar o perigo com informações úteis (como denunciar, como se proteger);
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Recontar histórias positivas com foco no drama evitado (o herói que agiu a tempo, o sistema que funcionou);
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Fazer follow-up de casos negativos, mostrando consequências, punições ou recuperação das vítimas.
🙋♂️ E o leitor?
Para quem consome notícias, fica a reflexão: que tipo de conteúdo você está ajudando a propagar? Ao diversificar suas fontes e valorizar também as histórias de coragem, solidariedade e transformação, o leitor se torna parte de uma cultura informativa mais saudável — que não nega os problemas, mas também reconhece as soluções.