Saúde

Vacinação de crianças contra a Covid-19 promete virar 'guerra' nos tribunais



Professor de educação física, D.D.S., 47 anos, não se vacinou contra a Covid-19 e também não permitiu que os filhos, adolescentes de 17 e 13 anos, fossem imunizados, embora o mais velho lamente a decisão do pai. Convicto de sua decisão, ele afirma que pretende acionar a Justiça se a escola dos meninos exigir a atualização da carteirinha vacinal no retorno às aulas. A mulher do educador físico e mãe dos garotos comunga com as ideias do marido, mas se vacinou, porque, funcionária pública do Estado, é obrigada a provar que está em dia com as doses de imunização.

O professor não se vê obrigado a vacinar os filhos e não lhe falta suporte de quem tem “autoridade” para sustentar seu posicionamento. Na primeira live semanal de 2022, feita na última quinta-feira, 6, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a atacar a vacinação infantil contra a Covid, dizendo que a “vacina para crianças não será obrigatória”. “Então, ninguém é obrigado a vacinar o filho. Se não é obrigatória, nenhum prefeito ou governador - existe alguns aí com essa ideia - poderá impedir o garoto ou a garota de se matricular nas escolas por falta de vacina”, diz ele, fazendo ampliar ainda mais a extensão da polêmica em torno da vacinação, agora, das crianças.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Contramão

A fala de Bolsonaro ocorreu logo após o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deixar de lado as falas alinhadas ao mandatário da República e anunciar a decisão da pasta de que a imunização infantil contra a Covid-19 vai ocorrer sem a necessidade de prescrição médica e com previsão de início ainda em janeiro. Tudo com o aval dos técnicos e pesquisadores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

No campo das responsabilidades (e obrigatoriedades) legais, as declarações de Bolsonaro são contrariadas por juristas, Associação Médica Brasileira e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Ainda assim, advogado ouvido pelo Diário diz existir brechas na legislação para que os pais antivacina levem a questão para os tribunais.

Juiz Evandro Pelarin (Johnny Torres 9/1/2020)

Juiz Evandro Pelarin (Johnny Torres 9/1/2020)

Letra da lei

“Sobre o tema da obrigatoriedade de vacinas para crianças, friso e insisto, em qualquer tipo de vacina, o Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve a obrigatoriedade ‘nos casos recomendados pela autoridade sanitária’, que eu entendo que é a Anvisa. Portanto, no meu entendimento, pela leitura e letra da lei, se a Anvisa determinar que a vacina X, Y ou Z é obrigatória para crianças, essa obrigação será cobrada daqueles que têm responsabilidade por menores de 18 anos, isto é, pais ou responsáveis”, diz Evandro Pelarin, juiz da Vara da Infância e da Juventude de Rio Preto, que virou alvo da fúria antivax em redes bolsonaristas.

Pelarin explica ainda que, “nesse ponto, também como diz a lei, o juiz da infância e juventude tem o dever de cumprir e fazer cumprir a lei”. “Logo, se a justiça for acionada em algum caso de negligência familiar, se a vacina em questão for obrigatória, os pais serão chamados à responsabilidade legal. Antes, ouve, conversa, dialoga, mas, em último caso, vai penalizar os pais negligentes e resistentes conforme a lei, que prevê penas que vão de advertência, multas à suspensão ou perda do poder familiar, nos casos mais graves, evidentemente.”

Pais e responsáveis que descumprirem a lei podem ser multados (com valores que vão de três a 20 salários mínimos), acusados de negligência e até responder por homicídio doloso (quando não há intenção de matar) — se ficar provado que a criança morreu por não tomar vacina.

Coletividade

Professor de Direito Constitucional, Mário Luiz Ribeiro afirma não ver margem jurídica para alguém brigar nos tribunais contra a obrigatoriedade da vacina da Covid-19 em crianças. "Se analisarmos os direitos e liberdades individuais, até poderíamos sustentar que não é obrigatório vacinar o filho, mas o que está em jogo não é só a saúde dele, mas da coletividade. O interesse público é sempre superior ao direito privado. É o que prega a Constituição Federal”, explica.

Mesmo que o Ministério da Saúde tenha deixado facultativa a obrigatoriedade da vacina, Ribeiro argumenta que a norma não é superior ao que é estabelecido pela legislação federal. “Temos a hierarquia das normas. Podem fazer a regra que quiserem,desde que não afronte a Constituição”, diz o professor.

Do outro lado

Já o advogado Edson Leme é contra a obrigatoriedade da vacinação de crianças, por acreditar que os imunizantes, mesmo os aprovados pela Anvisa, ainda são experimentais. "Os governos estaduais e municipais não divulgam os riscos de uma vacina experimental. Essa é a grande questão. Tem vacina fabricada com novas tecnologias nunca antes testadas em larga escala, com possibilidade de efeitos adversos. Daí, vem a nossa legislação e obriga a vacinação, mas não nos obriga a participar de experimento”, afirma o advogado.

Leme diz que os fabricantes ainda não apresentaram o estudo definitivo sobre os efeitos da aplicação da vacina em crianças e isso abre a possibilidade aos pais para contestar a obrigatoriedade dos filhos receberem o imunizante. "Cabe ação judicial. O ECA obriga a aplicar vacinas nos filhos e não experimentos, algo que ainda está em fase de teste”, conclui.

'Ciência ignora polêmica'

 

O médico infectologista Hélio Bacha, da Sociedade Brasileira de Infectologia e integrante do CEM Covid (Comitê Extraordinário de Monitoramento COVID-19) da Associação Médica Brasileira, afirmou em entrevista ao Diário que está comprovada a eficiência da vacina em crianças com essa faixa etária, de 5 a 11 anos.

“Essa polêmica envolvendo a vacinação infantil não existe no mundo científico. Por experimentos prévios e por aplicação em massa. Na Itália, por exemplo, 30% dos casos novos de Covid surgem em crianças dessa faixa etária. Isso mostra que é bastante significante o papel delas na perpetuação e transmissão da Covid. Por isso, é importante a vacinação desse grupo”, diz o médico, que alerta para uma tentativa de quebra de respeitabilidade da informação médica.

O Brasil já registrou cerca de 300 óbitos na faixa etária de 5 e 11 anos desde o início da pandemia: média de 150 ao ano. De acordo com a Associação Médica Brasileira (AMB), crianças também podem ser acometidas pela Síndrome Inflamatória Multissistêmica associada ao SARS-Cov-2. “Portanto, a vacinação é essencial para reduzir e evitar sofrimento, hospitalizações e mortes”, diz Bacha.

Segundo a AMB, a autorização da imunização na infância segue o mesmo rigor e normas de eficácia e segurança das demais faixas etárias. Que atende de forma plena aos critérios exigidos pela Anvisa para vacinação de todos os públicos. Nos Estados Unidos, mais de 7 milhões de crianças já receberam a vacina da Pfizer, sendo que 2 milhões delas receberam a segunda dose. A vacina apresentou reações classificadas como não sérias (97%), causando febre, dor de cabeça, vômitos, fadiga e inapetência. Houve 8 casos de miocardite em mais de 7 milhões de doses administradas (2 casos após a primeira dose e 6 casos após a segunda dose), todos eles classificados como de evolução clínica favorável.

“O Brasil tem uma das maiores taxas de mortalidade infantil por Covid no mundo. Portanto, não vacinar é mais arriscado. A vacina é segura e as pessoas devem temer a doença e não a vacina”, alerta Francisco Inaldo, infectologista do Hospital de Base de Rio Preto.

Escolas exigem carteira completa

 

No Estado de São Paulo, a matrícula de alunos com até 18 anos em escolas públicas e privadas do ensino básico está condicionada à apresentação da carteira de vacinação atualizada.

E Rio Preto, segue essa determinação. Nota da Secretaria de Educação diz que “só cabe à pasta cumprir a lei, ou seja, exigir, no ato da matrícula, a carteira de vacinação atualizada, na qual devem constar todas as vacinas que constam no plano de imunização do Ministério da Saúde, independentemente das doenças.

Em outras palavras, se a vacina contra a Covid estiver no plano de imunização para crianças de 5 a 11 anos, ela será considerada obrigatória na matrícula. Caso isso não aconteça, a escola solicita aos pais para que apresentem a carteira atualizada em até 30 dias.

Vacinas obrigatórias

 

Vacinas obrigatórias previstas no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e as doenças que elas previnem. Os imunizantes são oferecidos gratuitamente nos postos de saúde:

BCG - Protege contra formas graves de tuberculose: meníngea e miliar. É composta por uma bactéria viva atenuada e deve ser administrada uma dose única ao nascer.

Hepatite B - Imuniza contra a hepatite B. É composta por antígeno recombinante de superfície do vírus purificado. Deve ser administrada, por via intramuscular, uma dose ao nascer, o mais precocemente possível, nas primeiras 24 horas, preferencialmente nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade.

DTP+Hib+HB (Penta) - Utilizada no combate à difteria, ao tétano, à coqueluche, à Haemophilus influenzae B e à hepatite B. Três doses devem ser administradas, por via intramuscular, aos 2, 4 e 6 meses de idade, com intervalo de 60 dias entre as doses, mínimo de 30 dias.

Poliomielite 1,2,3 (VIP - inativada) - É administrada em três doses e é composta pelo vírus inativado tipos 1, 2 e 3 no combate à poliomielite. A primeira dose dever ser administrada aos 2 meses, a segunda aos 4 meses e a terceira dose aos 6 meses de vida da criança. A orientação é aplicar injeção em intervalo máximo de 60 dias e o mínimo de 30 entre uma e outra por via intramuscular.

Pneumocócica 10 valente (Pncc 10) - Administrada no combate a pneumonias, meningites, otites e sinusites pelos sorotipos que compõem a vacina. O esquema vacinal consiste na administração de duas doses e um reforço. A primeira deve ser administrada aos 2 meses de idade, a segunda aos 4 e o reforço aos 12 meses. A administração é realizada por via intramuscular.

Rotavírus humano G1P1 (VRH) - Protege contra a diarreia causada pelo rotavírus. Devem ser administradas duas doses, aos 2 e 4 meses de idade, por via oral.

Meningocócica C (conjugada) - Protege contra a meningite meningocócica tipo C. Devem ser administradas, por via intramuscular, duas doses, aos 3 e 5 meses de idade e um reforço aos 12 meses.

Febre amarela (atenuada) - Protege contra a febre amarela. Deve ser administrada, por via subcutânea, uma dose aos 9 meses de vida e uma dose de reforço aos 4 anos de idade.

Poliomielite 1 e 3 (VOP - atenuada) - Protege contra o poliovírus tipo 1 e 3 e é administrada como reforço, por via oral, sendo o primeiro realizado aos 15 meses e o segundo aos 4 anos de idade.

Difteria, tétano, pertussis (DTP) - Protege contra a difteria, o tétano e a coqueluche e é administrada como reforço, por via intramuscular, sendo o primeiro realizado aos 15 meses e o segundo aos 4 anos de idade.

Sarampo, caxumba, rubéola (SCR) - Composta pelo vírus vivo atenuado do sarampo, da caxumba e da rubéola. A primeira dose deve ser administrada, por via subcutânea, aos 12 meses de idade e o esquema de vacinação deve ser completado com a administração da vacina tetra viral aos 15 meses de idade (corresponde à segunda dose da vacina tríplice viral e à primeira dose da vacina varicela).

Sarampo, caxumba, rubéola, varicela (SCRV) - Composta pelo vírus vivo atenuado do sarampo, caxumba, rubéola e varicela. Corresponde à segunda dose da vacina tríplice viral e deve ser administrada aos 15 meses de idade por via subcutânea.

Hepatite A (HA) - Combate a doença de mesmo nome e é um antígeno do vírus da hepatite A, inativada. Deve ser administrada uma dose aos 15 meses de idade por via intramuscular.

Varicela - Composta do vírus vivo atenuado da varicela. Deve ser administrada, por via subcutânea, uma dose aos 4 anos de idade. Corresponde à segunda dose da vacina varicela, considerando a dose de tetra viral aos 15 meses de idade.

Difteria, tétano (dT) - Protege contra a difteria e o tétano. Deve ser administrada, por via intramuscular, a partir de 7 anos de idade. Se a pessoa estiver com esquema vacinal completo (três doses) para difteria e tétano, administrar uma dose a cada 10 anos após a última dose.

Papilomavírus humano (HPV) - Responsável por combater o papilomavírus humano 6, 11, 16 e 18 (recombinante). Duas doses devem ser administradas, por via intramuscular, com intervalo de seis meses entre as doses, nas meninas de 9 a 14 anos de idade (14 anos, 11 meses e 29 dias) e nos meninos de 11 a 14 anos de idade (14 anos, 11 meses e 29 dias).

Pneumocócica 23-valente (Pncc 23) - É indicada no combate a meningites bacterianas, pneumonias, sinusite, etc. Deve ser administrada, por via intramuscular, uma dose em todos os indígenas a partir de 5 anos de idade sem comprovação vacinal com as vacinas pneumocócicas conjugadas.

Influenza - Protege contra a influenza. Deve ser administrada, por via intramuscular, uma ou duas doses durante a Campanha Nacional de Vacinação contra Influenza, conforme os grupos prioritários definidos no Informe da Campanha.


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