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'Tragédia do Turvo': maior acidente em número de mortes nas rodovias do estado de SP completa 61 anos



O dia 24 de agosto de 1960 era para ser de alegria e comemoração, mas ficou marcado como um dos mais trágicos e tristes da região noroeste paulista.

Há 61 anos, o som dos instrumentos da fanfarra da Escola de Comércio Dom Pedro 2º de São José do Rio Preto (SP) foi interrompido pelo maior acidente em número de mortes em rodovias do estado de São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Com idades entre 14 e 28 anos, 59 estudantes (veja relação de nomes abaixo) que integravam a fanfarra morreram após o ônibus em que estavam cair dentro das águas do rio Turvo, em Guapiaçu (SP).

Dos 64 passageiros, apenas cinco sobreviveram. Entre eles, o motorista Wosihiyki Hahiasi, que fugiu assim que viu o veículo tombado. Réu primário, Hahiasi foi condenado a dois anos de prisão, mas não chegou a cumprir pena. Ele morreu em 2002, quatro décadas depois de a “Tragédia do Rio Turvo” ser registrada.

No dia do acidente, dois ônibus fretados pela Escola de Comércio Dom Pedro 2º saíram de Rio Preto, com destino à festa de aniversário de 106 anos de Barretos (SP), cidade onde a fanfarra tocaria.

Cerca de uma hora depois, o motorista perdeu o controle da direção ao fazer um desvio e acessar uma ponte de madeira, localizada no quilômetro 27 da rodovia Assis Chateaubriand.

Ocupado apenas por homens, o veículo da companhia Viação Aprazível Paulista (VAP) caiu nas águas geladas do rio Turvo. O outro ônibus, que levava as mulheres, não se envolveu no acidente.

Fanfarra da Escola de Comércio Dom Pedro 2º — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Fanfarra da Escola de Comércio Dom Pedro 2º — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

 

Notícia na aula do professor Miziara

 

Pessoas tentando ajudar as vítimas da tragédia do rio Turvo  — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Pessoas tentando ajudar as vítimas da tragédia do rio Turvo — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

À época com 15 anos, o jornalista Roberto Toledo integrava a fanfarra e estudava contabilidade na Escola de Comércio Dom Pedro 2º, que também era conhecida como Ginásio Riopretano, conforme os cursos.

“Eu iria para a festa de aniversário de Barretos somente se meu primo fosse. Como ele não expressou o desejo de ir, talvez pelo fato de trabalhar no comércio e não ser tão fácil de sair antes do horário, nós dois acabamos não indo. Meu primo também tocava na fanfarra. Não sei foi desígnio ou o que foi, mas acabei ficando”, relembra.

O dia 24 de agosto de 1960 era parar ser como outro qualquer. Portanto, Roberto saiu do trabalho por volta das 18h, tomou banho e foi assistir às aulas na Escola de Comércio Dom Pedro 2º.

 

“Recebemos a triste notícia do acidente quando estávamos na aula do professor Miziara. Foi um desespero, uma loucura. Estudantes da minha classe estavam no ônibus. Foi uma dor muito grande. Era o começo das nossas vidas. Todos estavam estudando, lutando para ter uma carreira”, afirma.

 

“Não conseguia pensar que era para eu ter ido. A nossa dor era saber que os nossos amigos tinham vivido um acontecimento tão triste. Não pensei que podia estar no ônibus. Só pensava nos meus amigos e nos familiares. Nós éramos muito novos. Éramos garotos”, complementa.

Moradores tentando ajudar vítimas do acidente do rio Turvo  — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Moradores tentando ajudar vítimas do acidente do rio Turvo — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

 

Cobertura da imprensa

 

O radialista Adib Muanis foi o primeiro a transmitir as informações do acidente. Ele passou a noite toda trabalhando às margens do rio Turvo e chorou ao ler os nomes dos mortos.

“Nós tínhamos duas rádios em Rio Preto. O Adib era a grande estrela na época. Ele acabou indo às pressas para o local do acidente. Não sei como conseguiu. Não sei se levou uma maleta para transmitir. Sei que o Adib conseguiu fazer a transmissão. Ele trabalhou mais de 30 horas sem parar”, relembra Roberto Toledo.

 

'A cidade parou'

 

O resgate dos corpos dos estudantes demorou horas para ser concluído. Familiares das vítimas e moradores da região noroeste paulista foram ao rio Turvo para tentar ajudar de alguma forma.

 

“O ônibus tombou com a roda para cima, o que dificultou ainda mais o resgate. Os estudantes ficaram embaixo d’água. Ficou muito difícil de fazer o resgate. Eu não quis ver os corpos sendo transportados. Fiquei na escola bastante depois de ficar sabendo do acidente”, diz Roberto.

 

Missa de corpo presente foi realizada na frente da antiga  — Foto: Jaime Colagiovanni

Missa de corpo presente foi realizada na frente da antiga — Foto: Jaime Colagiovanni

Os corpos dos estudantes foram colocados em caminhões e levados a Rio Preto. Eles foram velados nas casas onde moravam, como de costume na época.

“Acho que Rio Preto devia ter, no máximo, 50 mil habitantes. A cidade parou. Foi uma verdadeira loucura. Todos os bairros tinham algum estudante que morreu no acidente. Todos choravam”, relembra Roberto.

A missa de corpo presente dos estudantes foi realizada no dia seguinte ao acidente, pelo bispo Dom Lafayette Libânio, na frente da antiga Catedral de São José. Os 59 caixões foram colocados um ao lado do outro. Milhares de pessoas acompanharam a celebração.

O enterro foi realizado no Cemitério da Vila Ercília durante toda a noite. Já a missa de sétimo dia foi celebrada no estádio Mário Alves Mendonça, atualmente conhecido como campo do América.

“A catedral era pequenina para receber tantos morados enlutados. Foi uma tristeza tremenda. Lamento muito, porque, como não fui à saída dos ônibus, acabei não me despedindo dos meus colegas. Foi um duro demais. Foi uma verdadeira tragédia. Eu me emociono toda vez que lembro”, afirma Roberto.

 

O ano da tragédia

 

Foto mostra ponte onde o ônibus caiu no rio Turvo  — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Foto mostra ponte onde o ônibus caiu no rio Turvo — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Nascido um ano depois do acidente interromper os sonhos dos 59 estudantes, o historiador Fernando Marques diz que a tragédia do rio Turvo gerou comoção nacional.

“Todos os anos as famílias faziam uma peregrinação ao cemitério. O acidente influenciou, inclusive, nos casamentos. Diversas mulheres ficaram solteiras. Mais de 50 famílias não foram constituídas por conta do acidente. Hoje seria muito. Imagina na época?”, explica o historiador.

“Foi o ano da tragédia. Começou com a morte de Andaló, em novembro de 59. Depois veio o infarto de Bady Bassit. Em seguida, a morte de Milton Terra Verdi. Por fim, os 59 estudantes morreram no acidente. Tudo isso virou música de Tião Carreiro e Pardinho e Vieira e Vieirinha”, complementa.

Missa de corpo presente reuniu milhares de pessoas na frente antiga Catedral de São José — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Missa de corpo presente reuniu milhares de pessoas na frente antiga Catedral de São José — Foto: Divulgação/Jaime Colagiovanni

Fernando Marques relata que a cidade de Rio Preto era conhecida pelas competições de fanfarra. Os estudantes do Escola de Comércio Dom Pedro 2º estavam indo para festa de aniversário de Barretos porque tinham vencido um concurso.

“Moradores de outras cidades vinham assistir às competições, que eram feitas, até então, no campo do América. Todos os anos tinham concursos. A equipe vencedora representava a cidade em festas. Foi exatamente isso que aconteceu com os estudantes da Escola Dom Pedro. O acidente fez com que o concurso de fanfarra parasse por dois anos.”, afirma.

Os estudantes que morreram eram filhos de pessoas notáveis da cidade. Eram filhos de promotores, advogados e médicos. Todos conheciam. Foi feita uma igreja e um memorial no local do acidente.

Homenagens

 

Depois do acidente, o então prefeito de Rio Preto, Philadelpho Gouveia Netto, decretou luto de três dias e pediu para que os comerciantes não abrissem as portas.

Todas as solenidades que aconteceriam no dia 25 de agosto de 1960 em Barretos foram canceladas. Até as sessões de cinemas foram suspensas em Rio Preto.

Divulgação/Jaime Colagiovanni — Foto: Jaime Colagiovanni

Divulgação/Jaime Colagiovanni — Foto: Jaime Colagiovanni

A avenida Mirassol passou a se chamar avenida dos Estudantes. Em 2005, uma capela também para homenagear os 59 estudantes foi inaugurada às margens do rio Turvo.

Já em 2010, 59 árvores foram plantadas em um terreno, que recebeu o nome de Bosque da Saudade. Uma placa com o nome de todas as vítimas também foi instalada.

Mais de seis décadas após o acidente, as lembranças permanecem vivas na memória dos moradores que vivenciaram a tragédia de perto.

 

“O olhar para as carteiras vazias era muito triste. Antes meus amigos estavam sentados naquelas carteiras. Até hoje é muito difícil. Estou falando sofrendo por reviver tudo. Cada vez que falamos sobre o acidente, sinto que os estudantes estão comigo. Eram meninos inocentes”, afirma o jornalista Roberto Toledo.

 

As vítimas do maior acidente em rodovia foram:

 

  • Aderbal Rodrigues de Souza – 21 anos
  • Alaor Genésio Machado – 19 anos
  • Antonio Antunes Filho – 17 anos
  • Antonio Belini – 18 anos
  • Antonio Simão Martins – 17 anos
  • Ayrton Batista Medeiros – 15 anos
  • Carlos Costa Leite – 17 anos
  • Célio Álvaro de Souza Santos Júnior – 15 anos
  • Décio Bueno Guimarães – 19 anos
  • Delmo de Oliveira (Zula) – 16 anos
  • Edmundo Diniz Nogaroto – 22 anos
  • Élcio Negrelli – 22 anos
  • Ernesto Batista Filho – 15 anos
  • Fernando Gouveia Luiz – 19 anos
  • Francisco Vilela Socorro – 17 anos
  • Genésio Fabrini – 21 anos
  • Guido Kalil Sebe – 22 anos
  • Hildebrando Rodrigues da Silva (Andy) – 19 anos
  • Ivan de Oliveira Carvalho – 18 anos
  • Jairo Moreira – 18 anos
  • João da Silva Lisboa – 17 anos
  • Jorge Ferrari Ferreira – 16 anos
  • José Antonio Truzzi – 16 anos
  • José Carlos de Freitas – 17 anos
  • José Carlos Henrique – 19 anos
  • José Carlos Monici – 17 anos
  • José Luiz Sanches – 16 anos
  • José Miguel Feres – 14 anos
  • José Neves de azevedo Filho – 18 anos
  • José Roberto Silva – 18 anos
  • Lourival Aparecido Ribeiro – 16 anos
  • Lourival Ebner Storto – 17 anos
  • Luiz Gonzaga de Andrade – 18 anos
  • Luiz Roberto Rodrigues (Testa) – 16 anos
  • Manoel Jorge Sinodino – 17 anos
  • Marden Peres Lopes – 18 anos
  • Mauro amauri Salomé – 14 anos
  • Nilson Ferreira da Silva – 18 anos
  • Ovanir Dutra da Silva – 15 anos
  • Odilon Saraiva – 19 anos
  • Oswaldo Barbosa – 18 anos
  • Oswaldo Moreno – 18 anos
  • Oswaldo Prata – 28 anos
  • Paulo Hélio Orsini – 18 anos
  • Pedro da Costa – 17 anos
  • Raul Décio Spinelli – 18 anos
  • Roberto Carlos Brandão – 14 anos
  • Roberto Kenzi Sakai –18 anos
  • Saint-Clair de Souza – 20 anos
  • Valmir Olivi – 17 anos
  • Wagner Gardin – 15 anos
  • Waldecir Pereira de Oliveira – 20 anos
  • Waldemiro Mussi Naffah – 15 anos
  • Waldir Carlos Pereira – 16 anos
  • Walter Buzini Paternost – 15 anos
  • Wanderley Vieira de Assis – 17 anos
  • William José Guagliardi – 17 anos
  • Wilson Gomes da Silva – 20 anos
  • Wilson Luiz Spinelli - 17 anos

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