Direito

STF decide que municípios podem ter assistências jurídicas gratuitas



O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 9 votos a 1, que os municípios podem editar leis que criem serviços de assistência jurídica. O caso específico diz respeito a uma lei de Diadema (SP), que instituiu os serviços de assistência jurídica à população carente.

O julgamento ocorreu nesta quarta-feira (3/11) no retorno presencial da Corte após um ano e oito meses de sessões por videoconferência e virtuais. Apenas os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli não compareceram presencialmente ao plenário.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 279 foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2013 contra a lei 735/83, e a lei complementar 106/99, do município de Diadema (SP).

Na época, a peça inicial assinada pela vice-procuradora-geral, Deborah Duprat, e aprovada pelo então procurador-geral, Roberto Gurgel, pediu que o Supremo considerasse a lei municipal inconstitucional por quebra do pacto federativo. Para o Ministério Público Federal, os municípios não são legitimados pela Constituição para editar leis sobre assistência jurídica e defensorias públicas.

No entanto, durante a sustentação oral, o atual vice-procurador geral, Humberto Jacques de Medeiros, trouxe outra posição, no sentido de que o Ministério Público não vê problemas em outros entes criarem assistências judiciárias. “Vedar a outro ente federativo o exercício da missão de assistência jurídica é, ao ver do MP, por demais forte e restritiva, em um espaço onde impera a liberdade”, afirmou.

A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e a Defensoria Pública da União sustentaram que a possibilidade de criação das assistências jurídicas municipais pode enfraquecer as defensorias existentes e impactar, inclusive, o orçamento destinado às defensorias.

Prevaleceu o voto da ministra relatora, Cármen Lúcia. Para ela, as leis do município de Diadema são constitucionais e, portanto, a ação é improcedente. A ministra lembrou que a lei está em vigência há quase 40 anos e só agora o Supremo está finalizando o julgamento.

Em seu voto, Cármen Lúcia distinguiu a defensoria pública de assistência judiciária. Para ela, o conceito de assistência jurídica é abrangente, e o município instituiu uma assistência, não uma defensoria nos moldes constitucionais. Em sua visão, a procuradoria municipal de Diadema de assistência judiciária gratuita à população local assemelha-se à advocacia pro bono ou decorrente de parcerias com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a assistência à população carente.

Assim, a relatora entendeu que não houve quebra do pacto federativo quando o município criou uma procuradoria municipal de assistência gratuita.

“Não estamos aqui cuidando da diminuição ou do aumento das defensorias públicas dos estados e municípios. Há de haver defensorias em todos os estados. Muito aquém ainda do que o país precisa. O que se cuida aqui é: municípios podem ter defensorias públicas?”, afirmou a relatora.

“Não vejo óbice constitucional em município poder ter defensoria pública. Assim, não se pode nem afastar a existência de defensorias (ou defensores) nos estados e municípios. A competência que está na Constituição Federal apenas reforça a constitucionalidade das leis de Diadema”, complementou.

Acompanharam Cármen Lúcia os ministros Dias Toffoli – que tinha pedido destaque do caso no plenário virtual –, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Em seu voto, Fachin lembrou que o orçamento das defensorias independe da criação de uma assistência jurídica municipal. Já Barroso destacou que o acesso à justiça é um direito fundamental e, como se trata de hipossuficientes, quanto mais oferta, melhor.

O ministro Nunes Marques foi o único que divergiu. Para ele, entre as competências municipais trazidas na Constituição não está a de prover qualquer tipo de assistência gratuita. A solução do caso de carência de defensores públicos não está apenas nas mãos do município.

O ministro entendeu que, no caso, “não se pode autorizar todos os municípios do Brasil a criar defensorias públicas”. Segundo ele, “o direito não pode ser refém de apreciações apenas morais das pessoas”.

A ministra Cármen Lúcia rebateu dizendo que não pautou o voto em apreciação moral, até porque a análise do caso era sobre a inconstitucionalidade formal da norma e a competência dos municípios para criar assistência jurídica gratuita. “Não houve argumento moral que não estivesse calcado em norma constitucional”, afirmou.


RECEBA NOTÍCIAS NO SEU WHATSAPP!
Receba gratuitamente uma seleção com as principais notícias do dia.

Mais sobre Direito