O som da motosserra e o silêncio da reflexão
Há algo desolador na cena de um tronco mutilado. É como olhar para um coração arrancado de seu contexto, deixado ali, exposto, lembrando que um dia bateu. Em Jales, no Fórum da cidade, o cenário é este: árvores cortadas até a alma, com ninhos de pássaros lançados ao chão como restos insignificantes. A justificativa? As raízes dessas árvores estariam "invadindo" os vasos sanitários e os encanamentos. Uma invasão que, aparentemente, não mereceu negociações. A motosserra falou mais alto.
Mas será que resolvemos um problema quando ignoramos suas raízes? Ou estamos apenas varrendo as consequências para debaixo do concreto?
Raízes como culpadas: uma solução simplista para um problema complexo
Primeiro, vamos ao argumento central: as árvores invadiram o espaço errado, cresceram além do permitido, tocaram onde não deviam. Talvez os mesmos pássaros que ali habitavam também fossem "culpados" por fazer de seus galhos um lar. É claro que tubulações quebradas e encanamentos entupidos não são problemas triviais, mas será que a solução para questões de infraestrutura urbana deve passar pela destruição ambiental?
A impressão que fica é de que as árvores foram condenadas antes mesmo de terem uma chance de defesa. Houve algum estudo que considerasse alternativas, como um manejo adequado, a poda programada ou o redirecionamento das raízes? Ou será que, para a lógica imediatista que predomina, é mais fácil cortar do que preservar?
Ninhos ao chão: o descaso como padrão
Entre os galhos que caíram, o impacto foi mais profundo do que se pode medir com uma fita métrica. Ninhos de pássaros despencaram ao solo, destruídos junto com o habitat de aves que, até aquele momento, consideravam as árvores uma morada segura. Os pássaros não leram os memorandos administrativos, nem foram avisados do despejo em massa. E agora, entre os pedaços de madeira cortada, fica uma pergunta que ninguém no fórum parece querer responder: quem se responsabiliza por isso?
Em um mundo cada vez mais consciente da importância da biodiversidade, ações como essa soam como um retrocesso. Onde está a empatia pelo ambiente que nos cerca? Onde estão os valores que deveriam nortear instituições públicas como o Fórum, cuja função é zelar pela justiça, não apenas para humanos, mas para o espaço que todos compartilhamos?
Concreto sobre verde: o retrato da cidade que sufoca
O episódio em Jales é um reflexo de algo maior: o eterno conflito entre urbanização e meio ambiente. Sempre que árvores se tornam um incômodo, a solução parece ser eliminá-las. Não importa se elas fornecem sombra para os carros no estacionamento, ajudam a reduzir o calor ou abrigam fauna local. No imaginário urbano, árvores não têm vez quando o cimento e o asfalto pedem mais espaço.
Essa mentalidade é perigosa, porque ignora o fato de que cada árvore perdida nos afasta ainda mais de um equilíbrio necessário. Vivemos em tempos de crise climática, onde cada gesto conta. Ainda assim, insistimos em agir como se cortar uma árvore fosse apenas mais um evento cotidiano, sem maiores consequências.
Uma reflexão que ficou no ar (junto com a poeira)
A pergunta que precisa ser feita é: o Fórum de Jales perdeu a chance de dar o exemplo? Poderia ter sido uma oportunidade de mostrar como conciliar infraestrutura e natureza, como encontrar soluções que respeitem tanto o ambiente quanto a funcionalidade dos prédios públicos. Em vez disso, escolheu-se o caminho mais curto, mas talvez o mais prejudicial.
E para os pássaros que perderam seus ninhos, para as árvores que agora não passam de troncos estéreis e para os cidadãos que assistem a tudo isso sem respostas, fica o vazio. Porque enquanto cortamos árvores para "resolver problemas", esquecemos de que estamos, na verdade, plantando outros — invisíveis agora, mas muito reais no futuro.
Jales não precisa apenas de um fórum funcional. Precisa de um que seja símbolo de equilíbrio, de sabedoria, de justiça no sentido mais amplo da palavra. No entanto, ao transformar árvores em tocos e vidas em detritos, o que se fez foi uma escolha que dificilmente inspira admiração ou orgulho.
Então, eu pergunto: se as árvores não têm mais espaço no coração da cidade, quem terá?