Acreditem se quiser, mas foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal de Jales um projeto de lei de autoria do vereador Luis Especiato que garante prioridade em filas de bancos, lotéricas, supermercados e similares para doadores de órgãos. A proposta, que poderia soar como um avanço no incentivo à doação, acabou gerando um debate mais próximo do cômico do que do coerente.
Apesar da aprovação unânime, o projeto expôs os descompassos entre intenção e execução, especialmente após as tentativas atrapalhadas de justificativa por parte do vereador Riva Rodrigues, que nas entrelinhas — e nas entretropeçadas palavras — sugeriu que a medida pode gerar um fenômeno curioso: a “livre e espontânea pressão”. Em outras palavras, gente se declarando doadora só para furar fila.
Vivemos tempos em que uma hora de almoço mal dá para pagar um boleto e engolir um salgado. Agora imagine ter que abrir mão do seu lugar na lotérica para alguém que, em tese, poderá um dia doar um rim. Uma situação difícil de visualizar na prática. Afinal, fila é um dos últimos lugares onde se encontra paciência — e bom senso.
Para Especiato, a implementação seria simples: bastaria cartazes informativos em locais públicos, avisando que doadores têm direito à prioridade. Mas aí surgem mais dúvidas do que respostas. Como o cidadão vai comprovar sua condição de doador? Vai usar uma carteirinha pendurada no pescoço? Vai estampar uma camiseta com os dizeres "Doador de Órgãos: Com Licença, Tenho Pressa"? E se alguém duvidar, vai ter que mostrar exame de compatibilidade na fila do açougue?
E quando o dilema for entre um idoso protegido por lei federal e um doador de órgão saudável, quem passa na frente? O ancião com artrite ou o rapaz que declarou generosidade no aplicativo do SUS? Porque, sejamos francos: doar órgão exige saúde, disposição e, neste caso, talvez até um pouco de oportunismo.
A proposta, embora envolva um gesto nobre, tropeça na lógica e escorrega na sua aplicabilidade prática. E a pergunta que paira no ar como um balão de sarcasmo é: na próxima sessão da Câmara, dos dez vereadores, quantos vão ostentar orgulhosamente suas carteirinhas de doador?
Se a ideia era estimular a solidariedade, o efeito imediato foi outro: criar confusão, embaraço e memes prontos para circular nos grupos de WhatsApp. E assim, entre o ideal e o improviso, seguimos tentando resolver questões de saúde com soluções de balcão.
Talvez seja mais prudente, antes de tentar organizar a fila da lotérica, discutir a prioridade de Bruno de Paula em gastar um punhado de reais na compra de celulares de última geração para a Câmara Municipal. Porque, nesse caso, quem está doando mesmo é o contribuinte — e sem nenhum direito à fila preferencial.