A Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Rio Preto investiga a venda pelo WhatsApp do remédio Cytotec, que é proibido no Brasil e é utilizado como um abortivo. A investigação teve início após uma mulher de Rio Preto utilizar o medicamento e ir parar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A pena prevista por provocar aborto é de um a quatro anos.
O Ministério Público (MP) requisitou a investigação com base em apuração realizada pela Delegacia da Defesa da Mulher (DDM) em 2019, que apontou a existência de uma rede de venda de medicamentos abortivos pelas redes sociais. Pelo WhatsApp, a mulher negociou a compra do medicamento com um vendedor, que usa como pagamento o depósito bancário ou Pix. Após tomar o remédio, ela precisou ser intubada. “E até hoje, ela não se recuperou 100%”, afirmou o delegado Wander Solgon, que coordena a investigação.
A mulher confessou o crime e o MP propôs acordo, em julho de 2020, de não persecução penal, com pedido de pagamento de um salário mínimo a ser revertido para entidade assistencial de Rio Preto.
“Percebemos uma organização estruturada acerca do comércio ilegal da substância abortiva, tornando-se necessárias investigações direcionadas e exclusivas aos delitos, tais como, por exemplo, o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (artigo 272 do Código Penal). O exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (artigo 282), ponderando ainda que estes delitos possam configurar atividades exercidas por organização criminosa, nos termos da lei número 12.350/13”, consta em relatório de investigação da DDM de maio de 2020.
Fingindo interesse na compra, o Diário entrou em contato com um vendedor do medicamento na terça-feira, 16, após busca na internet. Identificado apenas como Ednei, ele utiliza um telefone com o DDD 17, mas alega estar em uma cidade no litoral Norte de São Paulo. Ao ser questionado sobre o Cytotec, ele respondeu: “qual tempo de gestação?”. A reportagem informou que seria para uma gestante de oito semanas e ele então “receitou” quatro comprimidos ao custo de R$ 580. Segundo ele, caso houvesse a compra, o medicamento seria encaminhado pelos Correios.
“Aguardar em torno de duas a quatro horas para começar os sintomas: enjoo, vontade de vomitar, calafrios e cólica. Vai começar a descer para você. Começou a descer, esse ciclo de menstruação vai durar em torno de 3 a 4 dias”, afirmou o homem, após orientar como tomar o medicamento.
Como forma de mostrar que o método “funciona”, o vendedor enviou prints de conversas com clientes, que relatam como foi o procedimento, inclusive fotos que seriam do aborto. Nas conversas, ele repassa orientações às mulheres e pede para elogiá-lo em página do Facebook que defende a legalização do aborto no País. Em uma das mensagens, o homem pede para a mulher ir ao médico e relatar o sangramento, que seria visto como aborto espontâneo.
O delegado Wander suspeita que o medicamento entra ilegalmente no País por meio de contrabando, principalmente pelo Paraguai. A fiscalização de comércio de medicamentos irregulares é monitorada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “E, sempre que contatado, a Polícia é acionada, já que o comércio irregular de medicamentos ou a venda de produtos clandestinos é crime”, consta em nota.
Medicamento é proibido desde 2005
O aborto é permitido quando a saúde da mulher estiver em risco, se a gravidez ocorre resultado de violência sexual ou quando há constatação da malformação do feto, que impede a vida extrauterina.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que o Cytotec - princípio ativo: misoprostol - não tem registro no Brasil. “A comercialização desse medicamento é proibida no Brasil desde 2005. A venda de produtos sem registro é considerada infração sanitária gravíssima e crime hediondo, enquadrado no Código Penal, artigo 273”, consta em nota enviada pelo órgão federal.
De acordo com a Anvisa, o Prostokos é o único medicamento com princípio ativo misoprostol registrado no Brasil. “O produto é indicado para os casos de necessidade de interrupção da gravidez, mas seu uso é restrito ao ambiente hospitalar, não podendo ser vendido em farmácias ou por qualquer outro meio”, afirmou.
A professora mestre em obstetrícia da Famerp, Maria Lúcia Barcelos Veloso, afirma que o uso do misoprostol é para a indução do aborto legal. "No Brasil, o aborto fora dos critérios da lei é crime. Portanto, não orientamos o uso desta medicação fora do ambiente hospitalar. Os riscos incluem náusea, vômitos, dor abdominal, diarreia em até 30% dos casos, podendo ocorrer hemorragia”, afirmou. Maria Lúcia cita ainda o risco da malformação fetal, hemorragia e infecção. Para a médica, nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) há métodos contraceptivos eficazes e gratuitos. “As mulheres que fazem uso correto dos métodos, tem risco de gestação menor que 1%”, afirmou. (RL)
O medicamento
Cartelas do medicamento: vendedor envia foto para os interessados
Cytotec
- Remédio que contém misoprostol na sua composição, uma substância que foi originalmente criada para o tratamento de úlceras de estômago, pois age bloqueando a produção de ácido gástrico e induzindo a produção de muco, protegendo a parede do estômago
- A substância também provoca contração uterina e amolecimento do colo do útero, o que pode provocar complicações na gravidez e provocar aborto
- A venda é proibida pela Anvisa. A substância misoprostol só é autorizada em hospitais qualificados e com acompanhamento médico
Aborto
São considerados dois tipos:
- Espontâneo: aquele que ocorre de maneira natural
- Induzido: aquele que ocorre quando o final da gestação é feito por meio da ingestão de remédios ou da curetagem, um procedimento cirúrgico em que há a raspagem da parede uterina para a retirada do embrião ou feto
No Brasil
- o aborto induzido é considerado crime, com pena de detenção de um a três anos para a mãe e de um a quatro anos para quem realizar o procedimento. Se for induzido sem o consentimento da mãe, o responsável pode pegar de três a dez anos de reclusão
- por ser ilegal, muitas mulheres acabam procurando clínicas clandestinas ou fazendo o procedimento sozinhas, o que pode causar até morte
Exceções:
- Quando a gravidez representa risco de vida para a gestante
- Quando a gravidez é o resultado de um estupro
- Quando o feto for anencefálico, ou seja, não possuir cérebro