Direito

Pode isso Arnaldo?



Não é raro ver em lojas, shoppings, e em estabelecimentos de estacionamento, uma sinalização indicando a cláusula de irresponsabilidade/não indenizar: “não nos responsabilizamos”. No artigo desta semana analisaremos a extensão de tal indicação, e como deve se portar o consumidor e o empresário diante disso.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tratou amplamente do tema, tendo inclusive, sumulado a matéria, vejamos.

Súmula 130: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

Há quem diga que a súmula não foi clara, visto que não descreve especificamente sobre bens ou objetos deixados no interior do veículo, porém, analisando os precedentes que levaram à redação do entendimento, verifica-se que em muitos dos casos, tratava-se de dano a bens guardados no interior do automóvel. Assim, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em termos gerais, é de responsabilidade objetiva do estabelecimento comercial que se propõe a guardar o automóvel do consumidor.

Sobre o assunto de furtos no interior de lojas ou semelhantes, já tratamos aqui. Contudo, quando a atividade comercial do empresário é unicamente a exploração de estacionamentos, deve ser responsabilizado pelo automóvel e os bens que o compõe? Em termos gerais, sim. Porém, existem pormenores que fazem toda a diferença.

O dono de um estacionamento assume a condição de “depositário”, ao aceitar acolher e guardar o veículo de um consumidor por determinado tempo, e por quantia monetária; devendo por ele zelar com se seu fosse. Nessa linha entende a doutrinadora civilista Maria Helena Diniz:

“O depositário terá responsabilidade pela guarda da coisa que lhe foi confiada, sendo-lhe permitido invocar a ajuda de auxiliares, mas ficará por eles responsável, pela perda ou deterioração do objeto depositado, se contribuiu dolosa ou culposamente para que isto acontecesse, pois tem a obrigação de ter na custódia da coisa que está em seu poder o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence, obrigado a garantir a incolumidade da coisa, devendo abster-se de atos que sejam prejudiciais ao bem depositado”.

Como a relação entre indivíduo-estacionamento é de consumo, rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor, especialmente pelo art. 14, visto tratar-se de prestação de serviços. Esse dispositivo legal, prevê a responsabilização do fornecedor independentemente da existência de culpa, isto é, uma responsabilização objetiva.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

No entanto, o mesmo artigo também dispõe de hipóteses em que o fornecedor não será responsabilizado: se provar que mesmo feito o serviço, o defeito não existe, ou se houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Ademais, por ser relação de consumo, cabe ao estacionamento o chamado “risco do empreendimento”, no qual assume o dever de guarda, vigilância e depósito sobre os automóveis e os bens nele contidos. Em eventual demanda judicial, a empresa deve ter meios para comprovar sua isenção de responsabilidade, como imagens de câmeras de segurança, cópia dos “ticktes” de estacionamento, horários de entrada e saída do consumidor, etc.

Importante salientar que muito embora não descrito no § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidoro caso fortuito ou força maior pode isentar o estacionamento de responsabilidade, como já firmou entendimento o Superior Tribunal de Justiça. Entenda-se assim, por exemplo, eventos imprevisíveis da natureza: como vendavais, terremotos, desabamentos, etc.

“O fato de o art. 14§ 3º, do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. ”

(REsp 120.647-SP, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 15 maio 2000, p. 156, RSTJ, 132:311)

Desta forma, o estacionamento deve se responsabilizar pelos danos causados ao automóvel em sua guarda, e induzir o consumidor em acreditar o contrário, é pratica abusiva, proibida pela lei consumerista, em seus artigos 25 e 51, I:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. [...]

Especialmente na cidade de Curitiba-PR, há uma lei municipal que dispõe sobre aplicação de multa ao estabelecimento comercial que dispuser em avisos ou placas sinalizadoras, que não se responsabiliza pelos danos ou bens deixados no automóvel. É a Lei Municipal nº 14.722/2015:

Art. 1º Fica proibida a utilização de placas informativas, impressão em bilhetes ou cupons, nos estacionamentos pagos ou gratuitos, do comércio em geral e de prestação de serviços, com os seguintes dizeres: "NÃO NOS RESPONSABILIZAMOS POR DANOS MATERIAIS E/OU OBJETOS DEIXADOS NO INTERIOR DO VEÍCULO" ou dizeres similares com o mesmo objetivo, no âmbito do Município de Curitiba.

Art. 2º Entende-se por comércio em geral, todo estabelecimento comercial que possua estacionamento próprio, ou mesmo que terceirizado por empresa especializada, oferecidos de forma gratuita ou paga.

Art. 3º O disposto nesta Lei se estende às empresas especializadas no serviço de estacionamento ainda que prestem serviço terceirizado a empresas ou instituições sem fins lucrativos ou filantrópicos.

Art. 4º O descumprimento desta Lei implicará nas seguintes sanções:

I - notificação para regularização em 30 (trinta) dias;

II - após decorrido o prazo do inciso I, multa de R$ 3.000,00 (três mil reais);

III - a multa do inciso II será aplicada em dobro no caso do descumprimento da notificação no prazo de 60 (sessenta) dias.

Assim, o estabelecimento é civilmente responsável, e face a isso, fortemente recomendamos que os empresários do ramo de estacionamentos particulares, utilizem seguros para as mais diversas situações (furto, roubo, eventos naturais, danos, etc.), possuam sistema de câmeras de segurança, controle de horário de entrada e saída, “tickets” identificando modelo, placas e avarias já existente nos automóveis que recebem, bem como, um formulário, para que o consumidor preencha os bens de valor mais elevado que possua no veículo, a fim de que, em ocorrendo um evento danoso, o ressarcimento seja justo.

Já ao consumidor, é indicado que opte por aqueles estacionamentos que disponham de todos os artifícios acima descritos, e especialmente, aqueles que desde logo não digam “que não se responsabilizam”, e especialmente, preencher o mencionado formulário de bens de valor econômico expressivo, e em havendo um problema, proceda à formalização de um boletim de ocorrência.

Isto posto, o estacionamento deve se responsabilizar pelo automóvel e bens nele contidos, resguardando-se ao adotar medidas de segurança, e respeitando no entanto, as causas excludentes de sua responsabilidade e o nexo causal entre as alegações do consumidor, de forma a buscar um equilíbrio na relação de consumo.


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