A pena de natureza pecuniária é instrumento fundamental para a promoção da Justiça e cumpre importante papel como alternativa à privação de liberdade. De acordo com o artigo 45, parágrafo 1º, do Código Penal, os pagamentos são destinados à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com finalidade social. O valor é fixado pelo juiz (entre um e 360 salários mínimos) e deve ser suficiente para a reprovação do delito, levando em consideração a situação econômica do condenado e a extensão dos danos sofridos pela vítima. O montante deve ser subtraído de eventual condenação na esfera cível, em ação reparatória pelos prejuízos causados ao ofendido.
O Código Penal também elenca outros tipos de penas que substituem o encarceramento, como a perda de bens e valores, a prestação de serviço à comunidade e a interdição temporária de direitos. A prestação pecuniária é utilizada desde que presentes alguns requisitos: o crime não pode ter pena superior a quatro anos de prisão, nem ter sido cometido com violência ou grave ameaça; o réu precisa ser primário, deve ter bons antecedentes e conduta social, entre outros pontos. Um exemplo é o crime de lesão corporal, que possui pena prevista de três meses a um ano de detenção e que, de acordo com o caso concreto, pode ser substituída pela prestação pecuniária.
“A prisão é medida extrema, que leva à total desagregação do sujeito em relação à sua comunidade. Como tal, deve ser reservada aos criminosos violentos, que representam efetivo perigo à sociedade, aplicando-se, nos demais casos, penas restritivas de direitos que não isolam o condenado e não o impedem de interagir de modo saudável e de ser socialmente útil, o que contribui para sua recuperação”, observa o juiz da Vara das Execuções Criminais de São José do Rio Preto, Flavio Artacho.
Destinação social
Nos casos em que os valores não são atribuídos à parte ofendida, o montante é revertido para entidades com destinação social. Após publicação da Resolução nº 154/12, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve uma série de mudanças nas leis que tratavam do tema. No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Provimento CG nº 31/18 atualizou as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, inserindo regras específicas para o direcionamento de recursos a organizações públicas ou privadas nos artigos 483-A a 483-E. Os valores poderão ser encaminhados a fundos administrados por conselhos municipais da Criança e do Adolescente ou do Idoso e a entidades com atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que atendam a áreas vitais de relevante cunho social.
As entidades que prestam serviços de interesse social devem se habilitar na Vara de Execuções Penais – responsável pela gestão dos valores – localizada na comarca onde possui atuação. Em seguida, precisa formalizar requerimento com documentação comprovando regularidade funcional, além de descrição do projeto com finalidade, alcance, público-alvo, orçamento previsto e cronograma sobre o tempo de aquisição dos materiais e início das atividades. Todo o processo tramita digitalmente e tem participação do Ministério Público como fiscal da lei. Após aprovação, liberação do dinheiro e execução do projeto, é realizada prestação de contas com apresentação de comprovantes fiscais. Hospitais, asilos de idosos, organizações que acolhem crianças com vistas à adoção e clínicas de reabilitação de dependentes químicos estão entre os exemplos de instituições participantes. Algumas vedações precisam ser observadas na disponibilização desses recursos, que não podem ser utilizados em projetos que, direta ou indiretamente, sejam direcionados ao custeio do Poder Judiciário, para fins político-partidários, entre outras situações.
“É uma satisfação perceber que a jurisdição penal, que cuida de questões tão difíceis, pode resultar em benefícios para a sociedade com utilização desses recursos em projetos sociais. Para a pessoa, que cumprirá a pena alternativa evitando o cárcere, fica a conscientização de que a resposta pelo crime que cometeu vai, de alguma forma, ser revertida em proveito da coletividade”, salienta o juiz da Vara do Juizado Especial Criminal de Campinas, Sergio Araújo Gomes.
Exemplos
No período mais extremo da pandemia do novo coronavírus, no ano de 2020, a Corregedoria Geral da Justiça, por meio do Provimento CG nº 9/20, recomendou a destinação de recursos oriundos de prestações pecuniárias retidos em contas judiciais para a área da saúde. A ação resultou no envio de R$ 18,1 milhões a prefeituras, universidades, hospitais e instituições para a compra de equipamentos de proteção individual, máscaras, utensílios médicos, respiradores, monitores e medicamentos. Em outra situação emergencial, o Poder Judiciário paulista destinou mais de R$ 5 milhões para socorro às vítimas de deslizamentos e alagamentos causados pelas fortes chuvas que atingiram a região de São Sebastião, no litoral norte do estado, em fevereiro de 2023. Depois da publicação do Comunicado CG nº 125/23, mais de 70 comarcas aderiram à iniciativa que contou com mobilização de magistrados.
N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 31/1/24