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Fiscalização do TCE em 42 escolas de Rio Preto e região revela abandono, falhas e negligência



Tem ar-condicionado, mas não tem instalação elétrica. Tem computadores, mas a fiação não suporta o funcionamento. Tem criança sozinha na rua. Tem comida sobrando no lixo. Tem lixo na quadra. O pneu do ônibus está careca. O motorista não tem habilitação. Na sala de aula, deficiente físico não entra.

Fiscalização surpresa realizada por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 42 escolas municipais e estaduais da região de Rio Preto na última semana de abril revelou o abandono, a negligência e a falha de gestão que afetam diretamente a segurança e o aprendizado de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas.

Nesta semana, o Diário teve acesso aos relatórios individualizados produzidos pelas equipes de fiscalização nas unidades localizadas na região de Rio Preto. Cada grupo de trabalho deveria responder a um questionário padronizado com perguntas sobre o transporte escolar, infraestrutura do prédio, merenda, material escolar, sala de informática e uniformes.

Em todas as 42 escolas visitadas foram detectadas irregularidades e o TCE já notificou as prefeituras e o governo do Estado para adequar os espaços sob pena de ter as contas reprovadas.

Em Bady Bassitt, os estudantes da escola municipal Prefeito João Matheus Telles de Menezes enfrentam o calor escaldante, típico da região Noroeste paulista, enquanto veem aparelhos de ar-condicionado novinhos e desligados. É que os equipamentos foram comprados e instalados antes que a administração pensasse no sistema elétrico necessário para refrigerar o ambiente. Em uma das salas, o teto mofado contrasta com a chegada da tecnologia.

Situação semelhante foi encontrada na escola municipal Professor Darcy Amâncio, em Mirassol. Mas relacionada aos computadores: “A sala de informática existe, porém não está em uso pois a escola não possui infraestrutura elétrica que suporte todos os equipamentos ligados. A sala fica fechada e está sendo usada como depósito de equipamentos e móveis”, consta na anotação dos fiscais.

A Educação foi um dos setores mais prejudicados pela pandemia e a retomada do ensino presencial foi condicionada à vacinação infantil e à implantação de medidas sanitárias como disponibilização de álcool gel, sabonete líquido e uso individual de copos. Em poucos meses de ano letivo, a preocupação com as normas sanitárias parece ter ficado em segundo plano.

Na maioria das escolas visitadas, não havia sabonete líquido, toalha de papel e nem papel higiênico. No banheiro da escola estadual Engenheiro Haroldo Guimarães Bastos, em Macedônia, não tinha nem água. No banheiro da escola municipal Joaquim Fernandes de Melo, em Nhandeara, falta também privacidade.

Diretor da Unidade Regional do TCESP em Rio Preto, Namir Antonio Neves diz que a fiscalização é realizada duas vezes ao ano: a primeira para detectar as inadequações; a segunda, para verificar se orientações foram cumpridas. “A prefeitura é notificada e tem um prazo para se justificar e regularizar a situação. Se o problema não é resolvido, o prefeito pode ser multado e responder por improbidade administrativa”.

Sobre a quantidade e relevância das irregularidades detectadas pela fiscalização, Namir atribui a problemas de gestão. “Não é falta de recurso. Todas as prefeituras são obrigadas a gastar 25% da receita dos impostos com a educação”.

Transporte escolar inadequado

 

Veículos antigos, licenciamento vencido, pneus carecas, bancos rasgados, ausência de monitores, cintos de segurança insuficientes, extintores vencidos. Atrás do volante, motoristas sem treinamento. Os apontamentos realizados por fiscais do TCE denotam que o caminho de casa para a escola, sob a tutela do poder público, expõe crianças a perigo de vida.

Em Bady Bassitt, o ônibus escolar é velho, está sujo e os pneus estão tão lisos que há buracos na borracha.

Pneus carecas também foram detectados na Kombi de Uchôa e o banco do motorista está rasgado. A prefeitura informou que os pneus foram substituídos no mesmo dia, e a troca do assento já foi solicitada. Em Ibirá, o ônibus escolar não tem placa traseira.

Em Guapiaçu, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) parece ter sido resgatado de uma enxurrada.

Mas a situação mais grave foi encontrada em Fernandópolis. Crianças da escola municipal Pedro Malavazzi são deixadas pelo motorista do transporte escola a 100 metros da instituição, sem qualquer supervisão.

Elas chegam na unidade antes da abertura do portão e aguardam sozinhas do lado de fora em uma rua sem saída que termina em uma mata fechada. (JT)

Problemas com a alimentação

 

A primeira foto mostra a panela transbordando de galinhada. A segunda, a sobra do que não foi consumido. A terceira, o lixo cheio de restos dos pratos das crianças. Saltou aos olhos dos fiscais o desperdício de comida na escola municipal Edison Rodrigues dos Santos Júnior, em Paranapuã. Questionado, o secretário de Educação Luis Henrique Rodrigues de Andrade justificou que a quantidade de merenda é calculada de acordo com o número de alunos e que, no dia da fiscalização, houve baixo consumo, ocasionando a sobra de alimento.

Já na escola estadual Joaquim Alves Figueiredo, em Catanduva, os alunos precisam aguardar a vez de comer porque faltam talheres para todo mundo.

Em Cedral, o teto do depósito da cozinha na escola municipal Professora Lúcia Novais Brandão está mofado. Embora este tenha sido o foco da fiscalização, a foto registrada pelos agentes mostra que o local tem sido utilizado também para guardar quinquilharias, como bolas decorativas. Sobre o mofo, a prefeitura disse que havia telhas quebradas, já reparadas, e que a reforma do local está sendo providenciada.

Na escola municipal Thereza Siqueira Mendes, em Santa Fé do Sul, os alimentos dividem espaço com produtos de limpeza e vassouras.

Em Pontalinda, o café consumido pelos professores, na escola municipal Geraldo Hortêncio Trindade, está vencido.

Merendeiras com vestimentas inadequadas, alimentos encostados na parede e cozinhas desprotegidas de telamento foram outras irregularidades apontadas em boa parte das 42 escolas vistoriadas. (JT)

Prédios sem vistoria dos bombeiros

 

Na semana passada, o Diário noticiou que 84% das 485 escolas municipais e estaduais vistoriadas pelo Tribunal de Contas do Estado não possui o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros.

Com a divulgação dos relatórios individualizados, foi possível saber que 29 das 42 unidades de ensino fiscalizadas na região de Rio Preto integram essa estatística.

“A legislação obriga a implantação de sistemas de prevenção contra incêndio em qualquer edificação não familiar, mas em se tratando de prédios públicos, as adequações esbarram na burocracia e são mais demoradas”, revela o cabo Marcelo Marcari, do setor de vistorias do Corpo de Bombeiros de Rio Preto.

Ele explica que, sobre as escolas, a fiscalização verifica se há extintores de incêndio, se estão recarregados e dentro do prazo de validade. Se há sinalização para saídas de emergência e se as rotas de fuga possuem o dimensionamento indicado e estão desobstruídas.

Em edificações com mais de 750 metros de construção é preciso a instalação de hidrante, alarme de incêndio e treinamento de brigada. O documento é emitido a cada três anos, e a vistoria é realizada após solicitação da direção da escola.

Em Rio Preto, a Secretaria Municipal de Educação foi obrigada judicialmente a providenciar o AVCB para todas as escolas como condição para retomada das aulas.

Marcari diz que há dois anos o Corpo de Bombeiros ganhou poder de polícia e prerrogativa para fiscalizar e aplicar multas, mas que antes da autuação, as escolas públicas e particulares recebem um prazo para se adequarem. A interdição só acontece quando há risco iminente de acidente. (JT)

Fragilidade na segurança

 

Em Pontalinda, a equipe de fiscalização foi recebida de portas abertas. Ao chegar na escola municipal Geraldo Hortêncio durante o horário de entrada das crianças, o grupo se deparou com os portões arreganhados e sem qualquer controle de acesso.

Em Rio Preto, na escola municipal Roberto Jorge, o muro que caiu antes do Natal ainda é substituído por um tapume, o que pode facilitar a invasão de criminosos. A Secretaria de Educação informou que os reparos estão em processo de abertura de licitação, mas não informou quando o problema será resolvido.

Ataque de animais peçonhentos é o risco que corre os alunos da escola municipal Madalena Cais, em Cedral, que tem como vizinho um ponto de apoio para descarte de materiais inservíveis. Alerta que já tinha sido feito em visita anterior. (JT)

Acessibilidade negligenciada

 

Apesar da lei federal de acessibilidade ter sido instituída há quase 22 anos, em dezembro do ano 2000, a realidade dos estudantes com dificuldade de mobilidade ainda está distante de ser considerada ideal.

Prédios antigos como o da escola estadual Joaquim Alves Figueiredo, de Catanduva, possuem acesso exclusivo por escadas. Salas de aula possuem degraus na entrada. E, na escola municipal Lucimara Pazianoto, em Ipiguá, o elevador de acessibilidade está quebrado.

Na escola municipal de Santa Salete, que leva o mesmo nome, o desrespeito é tamanho que o banheiro adaptado é utilizado como depósito de material escolar.

Os entraves começam antes ainda da chegada à escola. Não foram poucos os veículos de transporte de estudantes sem rampa para cadeirantes, sem cadeira de rodas ou sem o espaço para proteção do cadeirante, com fechamento do cinto de segurança.

As calçadas são irregulares, esburacadas e, em muitos portões, faltam rampas de acesso.

Coordenador da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB de Rio Preto, o advogado Marcelo Lavezo classifica como “falta de boa vontade” a lentidão do poder público em adequar os prédios escolares. “Um estabelecimento comercial não pode funcionar se não tiver em conformidade com as regras de acessibilidade. Mesmo que uma rampa ou elevador condenem a paisagem do prédio, a lei precisa ser cumprida. Mas não vemos esse rigor quando se trata de construções públicas. Na maioria das vezes, as prefeituras só se adequam quando são processadas”, diz.

Lavezo acredita que a realidade só será alterada quando houver interesse coletivo na causa. “É preciso envolvimento da sociedade e do Ministério Público na cobrança por acessibilidade”, finaliza.

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado informou que todos os prédios escolares estaduais são construídos de acordo com a legislação e normas de segurança vigentes à época, inclusive com acompanhamento periódico pelas Diretorias de Ensino e supervisores para a solução de eventuais demandas. A Pasta ainda conta assistência financeira para que todas as escolas estaduais viabilizem as renovações do AVCB, caso necessário. Em 2021, foram repassados mais de R$ 8,7 milhões à rede”.

Todas as prefeituras mencionadas na reportagem foram procuradas por e-mail, mas apenas Cedral, Uchoa, Paranapuã e Rio Preto se manifestaram. (JT)


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