Direito

Em um ano, STJ cassou 78 decisões baseadas em reconhecimento facial



Devido a irregularidades na forma de identificação como responsáveis por crimes, nos últimos 12 meses, 78 pessoas que haviam sido presas após reconhecimento pessoal ou foto foram inocentadas, tiveram seus processos suspensos ou a prisão relaxada. Os dados são do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem verificado irregularidades em diversas ações judiciais com provas baseadas apenas nesse tipo de procedimento.

A pesquisa teve como tema o método de reconhecimento pessoal depois do primeiro julgamento que alterou a jurisprudência do STJ sobre o método, o chamado leading case. Dessa pesquisa, foram colhidas decisões que acabaram sendo favoráveis aos acusados. Entre elas, sentenças que afastam prisões preventivas, suspendem o andamento do processo ou inocentam o indiciado.

Embora dados e análises ainda sejam tímidos no Brasil, no início de outubro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constituiu um grupo de trabalho (GT) que visa reduzir o número de prisões de inocentes a partir do estabelecimento de regras e procedimentos claramente definidos para o reconhecimento pessoal de criminosos.

Nos próximos 160 dias, serão elaboradas rotinas, publicações, dados e outros instrumentos que possam dar mais segurança ao ato de produzir provas contra acusados.

“O Código Processual Penal tem 80 anos. Ele foi atualizado, mas precisa ser substituído por um novo. Nesse ponto do reconhecimento nas delegacias de polícia, a legislação é muito enxuta e abre questionamentos para a confiabilidade da prova”, afirma o ministro do STJ Rogério Schietti, coordenador do grupo de trabalho no CNJ.

O grupo instituído pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, avaliou, em uma de suas reuniões, a possibilidade de falha no método devido a questões do cérebro humano diante de emoções e distorções culturais.

Foi considerado também levantamento feito pelo Innocence Project, nos Estados Unidos, que indica os reconhecimentos pessoais equivocados como a causa de erros judiciais em 69% dos casos nos quais houve a revisão das condenações após exame de DNA.

Negros são os mais afetados

Pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) em âmbito nacional concluiu que as pessoas eram negras em 83% dos casos de erro em reconhecimentos.

“É uma prova pouco confiável, porque depende da nossa memória, e a nossa memória é falha. Até os estudos de psicologia indicam essas falhas, que são frequentes. Esse ato falho pode gerar uma sucessão de fatos, que não trazem prova consistente de forma isolada. A gente não tem nem ideia do número de pessoas que foram condenadas por identificação e não eram culpadas. Sabe-se lá quantas cumpriram pena por isso. Estamos trabalhando com uma ONG norte-americana para nos ajudar com os dados”, informou Schietti.

Para o advogado e coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional e de Litígio Estratégico da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, o Brasil tem praticado, ao longo dos últimos 50 anos, um procedimento sem base científica. “Os mais afetados com essas condenações são os negros e pobres. O Judiciário precisa se adequar rapidamente àquilo que são as melhores práticas”, acredita.

Pelos estudos, o fato de 80% dos condenados injustamente serem negros se repete em diferentes análises. “Infelizmente, temos um país com raiz autoritária, de modelo escravocrata e racista. Assim, o país acaba negando a um determinado grupo o direito constitucional do contraditório”, afirmou ao Metrópoles.

Somente nos últimos anos, os casos começaram a aparecer. As pessoas tomaram coragem para denunciar. Por isso, a discussão veio à tona. “Minha esperança com esse grupo do CNJ é uma sensibilização urgente do sistema de Justiça”, completa Gabriel Sampaio.

Alguns casos

Em setembro deste ano, Jeferson Pereira da Silva, de 29 anos, ficou preso injustamente por seis dias após reconhecimento feito pela vítima mediante uma foto 3×4.

Motorista de aplicativo, Jeferson foi acusado pelo roubo de um celular e de R$ 5, em uma ocorrência registrada em fevereiro de 2019. O reconhecimento foi realizado pela vítima 21 dias após o roubo, e baseado em uma fotografia antiga, no formato 3×4, de Jeferson – de quando ele ainda era um adolescente.

O advogado de Jeferson, Carlos Dutra, conseguiu um habeas corpus no plantão Judiciário que garantiu a soltura do jovem. “Foram os piores dias da minha vida”, disse ele em entrevista a uma emissora de televisão.

Também em setembro, no dia 9, o cientista de dados e funcionário da IBM Raoni Lázaro Barbosa, 34 anos, foi solto após 23 dias detido por ter sido confundido com um miliciano da Baixada Fluminense.

Raoni foi preso por engano no dia 17 de agosto, após ser reconhecido por foto e confundido com o verdadeiro criminoso, o miliciano Raony Ferreira dos Santos, o Gago, que segue foragido. Após confirmar o erro, a Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco) solicitou à Justiça a revogação da prisão.

Discussão

Na próxima segunda-feira (25/10), das 10h30 às 12h50 e das 15h às 18h20, o CNJ realiza o seminário técnico do GT sobre reconhecimento facial, com transmissão pelo canal do CNJ no YouTube. O tema será O reconhecimento de pessoas para além da dimensão conceitual.


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