O cirurgião-dentista Fernando Lucas é suspeito de causar lesões em pacientes em uma série de procedimentos realizados em sua clínica em Belo Horizonte e que não têm autorização do CFO (Conselho Federal de Odontologia). Ele também é acusado de assédio sexual.
Os clientes afirmam que os procedimentos foram feitos sem a presença de um anestesista e que o profissional não prestou a devida assistência após a cirurgia.
A Folha de S.Paulo procurou a defesa do dentista desde o início da tarde de segunda-feira (22), foi avisada de que o advogado responsável estava em reunião e não recebeu um retorno às tentativas de novos contatos até a publicação deste texto.
Em nota encaminhada à imprensa na semana passada, a defesa do dentista disse que ele "acumula quase 20 anos de experiência profissional", nos quais "realizou mais de 2.000 cirurgias".
Afirmou também que "em relação às eventuais alegações de cirurgias mal-sucedidas, é importante destacar que todo procedimento cirúrgico implica riscos inerentes, que são previamente comunicados aos pacientes, cuja ocorrência independe da conduta do profissional".
O CRO-MG (Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais) diz, em nota, que o dentista teve seu exercício profissional suspenso por 30 dias conforme portaria publicada em 12 de julho após denúncias de pacientes e "evidências de práticas temerárias reiteradas".
Diz ainda que uma visita realizada no dia 19 de julho constatou que o profissional não estava atuando.
Uma resolução de 2020 do CFO proíbe que o cirurgião-dentista faça uma série de procedimentos. Dentre eles, estão a blefaroplastia (cirurgia nas pálpebras), a rinoplastia e o face lifting (tipo de procedimento para reverter o envelhecimento facial), que são realizados por Fernando Lucas.
Uma ação pede na Justiça indenização por danos morais, materiais, estéticos e existenciais. O advogado Carlos Felipe Velloso, que moveu o processo contra o dentista, diz representar oito vítimas, mas que são ao menos 20 pessoas que dizem ter sido lesionadas por Lucas.
Rosangela Godoi, 50, dona de um salão de beleza em Divinópolis (MG), conheceu o trabalho do dentista pelas redes sociais. Ela o procurou em agosto do ano passado para fazer uma "lipoaspiração de papada", procedimento adotado para retirar excesso de gordura debaixo da pele do pescoço e do queixo.
Desde então, diz ter feito quatro reparos com Lucas para corrigir as sequelas da primeira cirurgia. O último foi feito dia 29 de maio.
"Era um furo apenas e um corte de um centímetro, e virou uma coisa gigantesca. E eu continuo com sequelas até hoje, com uma cicatriz gigante e há quase um ano sentindo dor todo dia", afirmou Godoi.
"Ele é muito sedutor, não entendo como me permiti a passar por cinco cirurgias. E eu iria para a sexta não fosse a [repercussão do caso na] mídia", disse ela.
Godoi teve conhecimento de que havia outras pessoas que se consideravam vítimas de Lucas a partir de depoimentos na imprensa, como o da psicanalista Soraya Cury. Ela solicita que aqueles que se considerem lesionados pelo dentista a procurem nas redes sociais.
Cury afirma que foi fazer dois procedimentos no dia 2 de novembro, um lifting facial e uma blefaroplastia. Ela diz que Lucas só fez o primeiro, que resultou em uma neuropraxia (lesão no nervo), e se recusou a devolver o dinheiro do segundo.
"Eu acredito que, no momento em que ele percebeu que me lesionou, que corrompeu o meu nervo, ele tenha, então, fechado o meu rosto, não continuou a cirurgia", afirma a psicanalista, que alega ter tido um prejuízo financeiro ao ter deixado de trabalhar por causa do resultado dos procedimentos.
"Ele deixou a minha boca nesse estado, toda torta e a mulher bonita que eu era, infelizmente, ainda não apareceu de novo", ela diz, ao afirmar que já pagou o correspondente a cinco vezes o valor da cirurgia original com tratamentos para recuperar o movimento do lado direito da boca.
Cury diz ainda ter sido vítima de assédio sexual quando fez o procedimento. Ela afirmou que Lucas orientou que ela tirasse toda a roupa para a cirurgia, apesar de o procedimento ser no rosto e com sedação via oral, e teve de ficar apenas de avental.
"Eu levei um susto. Quando ele foi se despedir de mim, após a cirurgia, me deu um abraço e, ao soltar, me assustou com um selinho, assim. Fiquei muito baqueada no momento", afirma.
A psicanalista diz que o dentista nega ter obrigação de ressarcir os pacientes pelos procedimentos ou pagar por tratamentos que corrijam eventuais erros que ele teria cometido.
O depoimento é corroborado por Alan Silva, 34, que mora em Vila Velha (ES) e diz ter ido até Belo Horizonte para fazer uma rinoplastia no dia 14 de novembro. Ele afirma que o pós-operatório foi bem-sucedido, mas após 30 dias da operação começou a notar falhas no nariz, que duram até hoje.
"Percebi um buraco nasal mais fechado que o outro. Fui orientado a usar um dilatador para ajustar, mas não deu resultado. Após a retirada dos curativos percebi que o resultado não chegou nem a 5% do que ele havia prometido", diz Silva.
"Desde então comecei a procurar ele [Lucas], que orientou que falasse com sua equipe para agendar uma consulta. Já tentei mais de sete vezes o retorno online e não recebo uma resposta dele e de sua equipe", afirmou.
Ele encaminhou à reportagem registros de conversas que teve no WhatsApp com o dentista e sua equipe.
Lucas fala que as cartilagens de Silva já estavam dilaceradas por um outro procedimento, que Silva diz ter sido uma remodelação e que havia sido informada ao dentista na consulta.
Uma outra profissional solicita que ele vá até o Rio de Janeiro para uma nova cirurgia, mas o paciente recusa.
"Eu falei que não teria coragem de deitar na mesa deles nunca mais", diz Silva.
Ele afirma que gostaria de ter seu dinheiro de volta para fazer uma rinoplastia, mas ainda não procurou a Justiça.
A Polícia Civil de Minas Gerais diz que investiga o profissional por violação sexual mediante fraude e também sobre um procedimento cirúrgico.