Por Betto Mariano
Sem dúvidas, Brasília foi construída sem a interferência direta de Deus — ao menos se olharmos sob a ótica terrena da engenharia e do planejamento urbano. É claro que, se partirmos do princípio de que Deus criou todas as coisas, inclusive o homem, então, sim, houve o toque divino. Mas a capital do Brasil é, sobretudo, fruto da genialidade humana.
Brasília é uma cidade como nenhuma outra. Projetada com perfeição matemática, ladeada por um lago artificial de cerca de 48 quilômetros, impressiona pela simetria, pela amplitude e pela organização. Tudo ali foi meticulosamente pensado: setores divididos, quadras numeradas, avenidas largas, sem nomes de pessoas ou homenagens — uma cidade racional, funcional e, paradoxalmente, cheia de alma.
Os pontos turísticos fascinam tanto quanto a arquitetura. O glamour moderno se mistura à solenidade da história. No Memorial Juscelino Kubitschek, por exemplo, é possível sentir a presença viva do passado. As faixas presidenciais, o automóvel oficial e as roupas do 21º presidente do Brasil estão preservados como relíquias, em um ambiente que parece um túnel do tempo, onde o país revive sua ousadia de sonhar grande.
Mas Brasília também é um espelho do Brasil real. É ali, no coração do poder, que convivem os extremos mais gritantes: de um lado, a opulência dos gabinetes federais e distritais, as mansões avaliadas em dezenas de milhões, os restaurantes caros, os carros importados; do outro, a simplicidade — e muitas vezes a miséria — do povo comum, que paga caro por tudo. O custo de vida é surreal, os valores são superlativos, e cada centímetro da capital tem um preço altíssimo.
O Distrito Federal, comandado por um governador, não tem prefeito, mas sim um presidente da República que habita o centro simbólico do país. É também a maior concentração de servidores públicos do Brasil. São gabinetes, assessorias, secretarias, ministérios — todos pulsando em um ritmo burocrático e frenético, como se dali partisse o destino de cada cidadão.
Em Brasília, percebe-se claramente que é de lá que se decide quanto vai custar um palito de fósforo, um litro de leite ou o carro dos nossos sonhos. É o coração que bombeia decisões que moldam o dia a dia de todos nós — quer queiramos ou não.
O LADO SOMBRIO DA CAPITAL
Mas Brasília também tem seu lado sombrio.
Tudo ali cheira a política — e não há perfume capaz de disfarçar esse odor. Os prédios imponentes, os corredores largos e os salões de mármore reluzente escondem bastidores nebulosos. As instituições que pertencem, ou deveriam pertencer, ao povo, são cercadas por muros, grades, protocolos e privilégios. Assim como a própria democracia, também ali o acesso é vigiado, controlado e, muitas vezes, negado.
As fachadas do STF, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são monumentos imponentes, mas atrás delas se desenrola o verdadeiro teatro do poder — uma política feita para muitos, mas decidida por poucos.
A sensação que se tem é de que Brasília foi erguida para ser admirada à distância, não para ser vivida de perto. E talvez por isso, paradoxalmente, cada brasileiro devesse ter o direito de conhecer a capital de seu país. Caminhar por suas esplanadas, ver de perto os prédios que abrigam o destino da nação, sentir o peso da grandiosidade e o cheiro do poder — um poder que, muitas vezes, exala mais forte que as queimadas do cerrado nordestino.
Porque só quem respira Brasília entende o quanto ela é bela, imponente, contraditória — e, acima de tudo, reveladora.
Por Betto Mariano – Jornalista e observador das realidades brasileiras.