Nos tempos de faculdade, nos ensinaram que a Justiça não deve se guiar pela emoção. Talvez por isso, a imagem clássica da deusa Têmis, símbolo do sistema judiciário, esteja de olhos vendados. A intenção era representar imparcialidade. Porém, em muitos casos, essa venda parece mais um véu de cegueira absoluta — não da emoção, mas da razão, da sensatez e, acima de tudo, da urgência em proteger vidas.
O site A Voz das Cidades vem, há algum tempo, investigando um episódio trágico que ilustra com exatidão o preço da lentidão da Justiça: a morte de um idoso de 79 anos, alvejado no peito por uma bala perdida enquanto estava sentado tranquilamente em frente à sua casa, no bairro Jardim Municipal, em Jales (SP). Antônio Divino Mancegozo não teve chance. Morreu no local, sem sequer saber o motivo do tiroteio que interrompeu sua vida.
O disparo veio de uma briga entre dois homens, ocorrida em plena luz do dia, no sábado, 1º de março. Um dos envolvidos sacou uma arma e disparou pelo menos cinco vezes. Uma dessas balas atingiu Antônio, que não fazia parte da confusão. O outro homem, alvo dos tiros, escapou ileso.
E o que poderia ter evitado essa tragédia? A resposta é dolorosa: a própria Justiça. Fontes consultadas pelo site A VOZ DAS CIDADES, revelaram que, dias antes do crime, a Polícia Civil de Jales havia solicitado à Justiça um mandado de busca e apreensão na residência do homem que acabou disparando os tiros. O objetivo era localizar e apreender a arma que, segundo denúncias, ele já portava ilegalmente. O pedido foi negado.
A decisão de não autorizar o mandado acabou por selar um destino cruel: um pai, talvez avô, que poderia hoje estar com seus filhos e netos, foi enterrado antes da hora. Pela frieza de uma caneta que hesitou em agir.
O suspeito do homicídio chegou a fugir, mas foi localizado horas depois escondido em um hotel na cidade de Palmeira D’Oeste (SP). Mesmo assim, a sensação de justiça feita não consola uma família dilacerada. O corpo de Antônio foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML), enquanto a dor permanece na rua onde ele apenas queria descansar em paz, diante da própria casa.
O caso, agora registrado como homicídio, revolta e levanta um questionamento que há muito ecoa na sociedade brasileira: quantas mortes ainda serão necessárias para que o sistema judiciário compreenda que sua lentidão também mata?
A Justiça precisa ser cautelosa, sim — mas jamais inerte. Quando a burocracia se sobrepõe ao dever de proteger a vida, ela falha em sua missão mais básica. E quando falha, como neste caso, não é apenas cega. É cúmplice da tragédia.