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A banalização do escândalo eleitoral



Com quase quatro décadas navegando os mares revoltos da política e 60 anos cravados na vida, posso garantir: as campanhas eleitorais não são jogos de ideias, mas provas de resistência ao pudor. A compra de votos, esse câncer já enraizado no DNA político brasileiro, não é novidade nem mistério. O que muda, e surpreende a cada eleição, é a criatividade com que se burla a lei, transformando o ato criminoso em arte maligna.

Sim, sabemos que é imoral. Sabemos que é ilegal. E não há viva alma que desconheça sua natureza criminosa. Mas o que realmente importa é o que fazemos com esse conhecimento. Nada. Absolutamente nada. Vivemos entre os que corrompem, os que se deixam corromper e, ainda pior, os que fingem indignação enquanto seguram a próxima oferta por debaixo da mesa.


Como se compra um voto em 2024?

O ato de comprar votos já foi rudimentar. No passado, cestas básicas e notas miúdas entregues no escuro das madrugadas bastavam. Hoje, sofisticou-se. Falamos de promessas de cargos, favores financeiros disfarçados de "ajuda humanitária" e até transações via Pix. Quem diria que o progresso tecnológico serviria tão bem à prática da velha política?

A soberba entra como protagonista nesse cenário. Quanto mais segura está a figura do corruptor, mais escancarada se torna sua atuação. O escândalo, outrora temido, agora é tratado como um risco calculado. Os que participam desse teatro acreditam que o preço a ser pago pela audácia é menor do que o prêmio do poder conquistado.

E o eleitor, coitado, por vezes não vê alternativa. A desigualdade social, tão bem explorada pelos mesmos que a perpetuam, é a gasolina no motor desse sistema. Quando fome e desespero batem à porta, qualquer voto tem seu preço. Quem há de julgar o pai que troca sua escolha nas urnas por um prato de comida?


A queda é inevitável

Mas eis o ponto: a porta larga sempre cobra seu preço. As campanhas mais descaradas, os atos mais escandalosos, um dia encontram seu algoz. Quem planta a desigualdade e rega o descaso não pode se surpreender quando os frutos amargos do cinismo chegam à mesa.

A justiça eleitoral pode falhar, mas o tribunal da vida é implacável. Aqueles que, hoje, exibem seus diplomas como troféus de uma vitória obtida pela corrupção verão, mais cedo ou mais tarde, o tapete vermelho de sua soberba transformado em chão de lama.


Isonomia: a lição que esquecemos

No fim, tudo volta à isonomia: tratar iguais como iguais e desiguais como desiguais, na exata medida de sua desigualdade. Mas como alcançar isso quando a própria eleição, o maior símbolo da igualdade democrática, é pautada pelo desequilíbrio?

Enquanto a política insistir em trilhar o caminho curto, semeando privilégios e comprando consciências, não teremos isonomia, mas uma falsa democracia sustentada por contratos implícitos entre corruptores e corrompidos.


Seja você político, eleitor ou apenas um espectador desse circo de horrores, saiba que a porta larga parece atraente, mas é o caminho mais rápido para o abismo. A queda não é apenas inevitável—ela é justa.

O que resta é decidir em qual lado da história queremos estar: o dos que cavam a própria ruína ou o dos que, mesmo com dificuldades, resistem à tentação de vender o futuro por migalhas no presente.

 

 


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